Finalmente ganhei coragem para ver o tão badalado e polémico filme "La Vie D'Adèle" de Abdellatif Kechiche, filme que para alguns era uma mais que certa aposta para o lote de nomeados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o que acabou por não acontecer (foi nomeado nesta categoria ao Golden Globe, BAFTA, etc.).
"La Vie d'Adèle" foca-se em Adèle (Adèle Exarchopoulos) e nas diferentes fases do seu inacabável auto-descobrimento no espaço temporal de 10 anos. Começamos por conhecer uma Adèle com 15 anos, uma adolescente apaixonada por Literatura e que desde cedo percebe que é mais adepta da imaginação e do seu constante questionamento do que de um fácil acesso às respostas, desde a simples interpretação de um livro à sua própria vivência. Após ter um súbito vislumbre da personificação da cor que espelharia a sua vida, ao cruzar-se com uma jovem lésbica de cabelo azul ("BLUE is the warmest color"), Adèle percebe que não é verdadeira quando se relaciona com o sexo oposto e indaga na busca de Emma (Lea Seydoux), mas sobretudo na busca de de si mesma.
O filme está fabulosamente pensado, construído e concretizado. E apesar da dificuldade em assistir às tão afamadas cenas de sexo explícito entre Adèle e Emma, estas acabam por ter um contributo fortíssimo para a inigualável genuinidade de "La Vie d'Adèle".
Adèle Exarchopoulos é extraordinária, e é (quase) absolutamente incompreensível que não tenha visto a sua magistral interpretação reconhecida com a nomeação aos diversos prémios como Melhor Atriz Principal, até mesmo ao Oscar (o papel é de uma exigência física e psicológica sobejamente superiores à Jasmine de Cate Blanchett no filme de Woody Allen, e isto diz muito).
Não terá sido à toa que o título do filme moldou-se a si, ao seu nome. Exarchopoulos entregou-se por completo à criação desta sua nova Adèle. É-nos assim apresentada uma prodigiosa promessa no mundo do cinema e espero mesmo que ultrapasse em muito as fronteiras da sua já tão grandiosa França.
Mas se Exarchopoulos extrapolou todos os limites da perfeição na sua performance, só o conseguiu por ter divido a maioria das cenas com a não menos incrível Léa Seydoux, que é igualmente credível no seu papel de Emma, uma artista resolvida na sua sexualidade e que cuja relação com Adèle acaba por constituir o barómetro da descoberta, do crescimento, da regressão e da estabilização desta última.
Este filme conseguiu o inédito feito de em Cannes a Palm D'Or ter recaído não só para o realizador (como era até então hábito) mas antes dividido entre este e as duas atrizes que o protagonizam. Acredito que este facto diz muito não só sobre a qualidade bem como da inovação inerente a esta película em particular.
Resta-me, contudo, lamentar que a polémica pós-Cannes* tenha muito provavelmente "castrado" as enormes possibilidades que "La Vie d'Adèle" tinha de obter diversas nomeações aos galardões mais aclamados do mundo do cinema, entre os quais aos Oscares nas categorias de: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Atriz Principal (Exarchopoulos), Melhor Atriz Secundária (Syedoux) e Melhor Filme.
Syedoux e Exarchopoulos poderiam ter optado por uma solução semelhante à de Steve McQueen e John Ridley (realizador e argumentista respetivamente de '12 Years A Slave') que apenas após as nomeações aos diversos galardões demonstraram que existia alguma animosidade entre eles. Assim, toda a suposta "tortura" a que dizem ter sido sujeitas pelo realizador poderia resultar na colheita de outros frutos (para além de que, na minha modesta opinião, muito dificilmente Seydoux, depois destas acusações, conseguirá que algum realizador lhe confie um papel de semelhante exigência).
*Sem que nada o fizesse prever, Seydoux acusou Kechiche de a fazer sentir-se como uma "prostituta", por abusar na quantidade de vezes que as obrigou a repetir cenas, sobretudo as mais difíceis e exigentes; Exarchopoulos, por sua vez, disse que "Kechiche é um génio, mas torturado". Kechiche ripostou, dizendo que Seydoux é uma "atriz mimada" e chegou mesmo a ponderar não distribuir o filme no estrangeiro e ainda processar Seydoux pelas suas declarações.
http://www.rtp.pt/cinemax/?t=O-arrependimento-de-Kechiche.rtp&article=9509&visual=2&layout=8&tm=64
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